Poema de Manuel Alegre
Não há machado que corte
a raíz ao pensamento
não há morte para o vento
não há morte
Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida
sem razão seria a vida
sem razão
Nada apaga a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre
Palavras leva-as o vento, ou uma garrafa atirada ao mar, na esperança de um dia alguém as agarrar, escritas com amor perdidas num vazio que nos causa dor, como a garrafa que o mar arrasta para parte incerta, talvez para uma praia deserta, cheia da esperança contida numa mensagem enviada por alguém sem medo de sonhar.
Como o pombo que não se perde no ar, direccionado para um ponto fixo no horizonte, um destinatário tão distante para o pedido de auxílio enrolado por alguém com medo de morrer numa sangrenta batalha qualquer, travestido o correio alado numa improvisada pomba da paz. Como a carta perdida ao longo do caminho num daqueles caprichos do destino que promovem a desilusão em alguém que aguarda notícias há tempo demais e se sente como que abandonado num cais e de repente pousa a vista num gargalo brilhante à deriva na ondulação e estende uma mão para o agarrar. Lá dentro as palavras de amor há tanto tempo ansiadas, as emoções desenroladas num pergaminho que encontrou o seu caminho para um final quase feliz. No sorriso de alguém que espreita o que diz nessa emoção anónima, bisbilhoteira, naquela coincidência certeira que quase se acredita propositada para que a trégua desejada aconteça seja onde for. Multipliquem-se as palavras de amor que urge escrever, em histórias coloridas pelas mais arrebatadas paixões, para que essas mensagens de esperança jamais se possam perder encalhadas nos bancos das memórias que aceleram as batidas dos corações. Todas as palavras apaixonadas por escrever são como beijos que ficam por dar. São como garrafas vazias lançadas ao oceano de costas voltadas ao destino que assim nos resta abraçar.
Quando renegamos a necessidade de partilhar a felicidade que às vezes desperta, algures numa praia deserta, uma alma entorpecida pela saudade ou pela dor, uma vontade até então reprimida pelo receio de insistir no amor que não podemos, de todo, silenciar.