Olho a vida que se escapa à socapa por entre os dedos, como areia numa ampulheta que engana com a ilusão de poder medir o tempo que resta pelo tempo que se escoou.
Olhar aquilo que passou, os amores que terminaram, as amizades que partiram, a adolescência que não regressa, e sentir que agora é sempre o momento melhor porque se antecipa o sabor do que poderei viver amanhã.
A esperança a encher o peito como ar fresco do final da madrugada. A dúvida dissipada como a neblina instalada por instantes sobre o espelho de água que tão bem reflecte o céu. Um sopro de calor que as afasta com a certeza de que vale a pena lutar pelo que importa conservar, no contexto da felicidade tal como se apresenta ao meu olhar sobre a vida que não quero de partida.
A minha e a dos outros, apenas uns poucos, preciosa. Quem comigo partilha as coisas do que uma vida se faz, com lágrimas e sorrisos importantes, pessoas deslumbrantes porque nos arrastam como seus ao longo de um caminho que exigimos comum.
Os filhos que fiz e assim lhes ofereço o milagre de uma vida para olhar. O amor que dediquei, tão intenso, e aquilo que recebi de volta como um sonho que a realidade corporiza. A tangibilidade da minha presença nos olhos de quem observa a vida num lado de lá que é dentro de nós afinal.
A simbiose total, de vez em quando, ou o amargo sabor de uma penosa separação. Acontecimentos que fazem a história contada em momentos de introspecção partilhada com a confiança de querer depositar em alguém.
Muitos filhos da mãe, como chacais, envergam os seus punhais, traiçoeiros, e cravam-nos nas costas da alma as exclamações de medo e as reticências que me intimidam como um gigantesco ponto de interrogação. Quantos mais se cruzarão, insuspeitos, pelo raio de visão que disponho sobre a vida que o acaso determina e apenas influencia nas decisões menores?
A vida com diferentes sabores, amargo e doce, salgado e picante, de todas as cores, amigo ou amante, segmento ou parcela, compete a cada um vivê-la como se esta existência tão valiosa estivesse prestes a chegar ao fim.
Faz todo o sentido quando pensamos assim, efémera, porque alerta para a emergência de aproveitar todo o tempo para amar.
Outras pessoas e a nossa essência também.
A vida que se tem, para olhar, usar e abusar antes que escape sorrateira. A folha derradeira no calendário que outras mãos irão rasgar um dia. O tempo parado porque fica esgotado na percepção de que podemos usufruir.
Admito partir mas exijo-me agarrado a este lado com a tenacidade desta indómita vontade de absorver aquilo que me oferecer o destino que alguém traçou (ou não) para mim.
Quero-me assim, incondicional.
Nesta vida que sinto e aprecio, e que queria partilhar com uma mulher especial.
Com as duas mãos. Como areia que se escapa delas.